domingo, 28 de dezembro de 2008

Presídio



Tenho séculos submersos no teu corpo.
Apalpo a trovoada despida no olhar,
há aves que voam rente ao tempo cruel
relampejando geadas inesperadas.
Há abismos insurrectos
a transbordar champanhe nocturno.
Bebo o sorriso afogado
em luminosos cálices de trevas,
escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma.


Tenho séculos submersos no teu corpo.
Não sei como selar a decepção
que arde nos sulcos do desespero.
Colocaste-me grades na boca,
é insuportável o sangue descalço
que dança nuvens na garganta.
Trouxeste nos gestos ogivas lancinantes
a transplantar milénios de abandono.
Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto.

Anoitece em mim,
surtos desolados
escavam neblina na eternidade,
tudo grita o fim.

Alberto Pereira
Poema do livro "O áspero hálito do amanhã"

4 comentários:

Anónimo disse...

"Desmorono-me em silêncio
perseguido pelo assédio atómico
que flutua no encanto." que lindo poema, Alberto, que bela maneira encontrou de expressar o encantamento.
Obrigada por esse presente de domingo quando nos despedimos de 2008.
Peço-lhe permissão para fazer um PPS do seu poema para divulgar sua escrita na Internet, pode ser?
Feliz Ano Novo para você e seus queridos,
um beijo doce no seu coração aqui de longe, do Brasil.
Eliane

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Anónimo disse...

"Tenho séculos submersos no teu corpo"

Ai, Alberto, só alguns (muito poucos) sabem como amo este poema e como este verso em particular foi a minha tortura (risos).
Para além de um sentimento de imenso apreço pela beleza deste teu escrito, existe uma memória de comicidade a ele associada que fará com que sempre recorde a sua leitura com um sorriso. É da soma de pequenos episódios, como o que este evoca em mim, que se vai construindo uma vida de afectos e cumplicidades.
Beijos.
maria

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jorge vicente disse...

e assim escreve este nosso poeta, com tanta beleza e emoção. gostei muito, alberto. espero que continues. e que partilhes connosco cada vez mais belos poemas.

um grande abraço
jorge

Anónimo disse...

"escuto chicotes ungindo labaredas
nos canais sombrios da alma."
"Anoitece em mim,"
Alma prisioneira,
coração acorrentado!
Lindo poema!
Vania Deara
Lindo poema!

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