quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Musa Cinzenta



Todos os dias me sentava junto ao cais da tua boca
a ver-te voltear o sentimento.
Barcos irados
despenhavam-se no crude
com que navegavas as horas.
Marés calcinadas
reanimavam fantasmas
no tempo apagado.
E eu, ali,
debruçado sobre a orgia temperamental
contorcia-me na apoteose fumegante do fel.

Todos os dias subia trevas embriagadas
fulminado de abismos azuis
e no ingénuo paraíso
bebia relâmpagos de ilusão.
Electrocutado no hálito distante,
carregava metáforas luminosas
pelas margens sanguíneas do fascínio.

Agora junto à tua boca deserta,
desço as madrugadas que latejam na alma
por um rio gelado aceso de lâminas.

Hoje morrerei como todos os dias,
nas infindáveis lágrimas crivadas de pólvora
que deflagram na geometria transtornada da ausência


Alberto Pereira

Livro - O Áspero Hálito do Amanhã

2 comentários:

Anónimo disse...

Já conheço os teus poemas de cor! Obrigada pela preciosa oferta que me fizeste > este delicioso livro.
E... assim não vale! Não consigo ler estas delícias , e ficar impávidamente a ver as palavras ficarem unicamente na página do livro ... :((
Bjs
Zélia

Via multiply

Anónimo disse...

Querido Alberto,
Sabes bem como me apaixonei por esta "musa cinzenta" assim que a li pela primeira vez... a ponto de dizer: "este sou eu que leio na apresentação do livro e ponto final", que não é bem o meu estilo, dado que não costumo ser tão determinada, deixando, naturalmente, espaço para a opinião dos outros. Estou como a Zélia... penso que também já sei quase todos os teus poemas de cor e concordo em absoluto com a sua opinião de que as palavras não são apenas para ser lidas em silêncio, mas para serem ditas (como só ela sabe) e ouvidas por quem ama poesia e declamação de excelência.
Beijos para ambos e força nessa parceria que me encanta!
maria

Via multiply