segunda-feira, 8 de março de 2010

DIA DA MULHER - "MULHERES ALGEMADAS"


Dia Internacional da Mulher.

Aqui fica uma homenagem a todas as mulheres,
lembrando no entanto, que estas não devem existir como
um calendário onde podemos assinalar o dia em que
os seus corpos podem ser felizes.

Um texto que atravessa os séculos, que fala das feridas que foram,
até a sua revolta construir um lugar de viver.

O poema "Mulheres Algemadas", de Alberto Pereira,
foi vencedor do Concurso de Poesia(tema livre),
da ACAT em 2009

Endereço onde pode se pode ouvir o poema, dito por Zélia Santos.

https://mail.google.com/mail/?hl=pt-PT&shva01#inox/1273bbaba12b236a


MULHERES ALGEMADAS


Ao princípio eram ilhas, silenciosas,
espancadas pelos afazeres quotidianos,
submersas nesse continente masculino bronzeado de ordens.
Depois, devagar,
à medida que a vegetação dos seus corpos foi secando,
revoltaram-se com a ausência de luz.
Com delicadeza ergueram suavemente a voz.
O mundo musculado dos que davam ordens inquietou-se.
Tentaram convencê-las que a sua tarefa era cuidar dos filhos,
espancaram-nas, amordaçaram a clorofila que lhes dançava nas veias.
Chamaram-lhes loucas,
arranjaram até atestados para comprovar tal insanidade.
Vedaram às suas águas a literacia, a educação, a cultura.
Dos séculos herdaram a insularidade obediente da tradição,
a gestação descontrolada,
o cárcere doméstico de quatro paredes
rabiscando sem cessar a veloz extinção do pó.
Enganaram a rotina com metáforas que bebiam
nos brinquedos espalhados pelos filhos.
Quando sonharam ter árvores
no pedaço de terra dos seus corpos,
deceparam-lhes os poemas dos ramos,
meteram-lhes grades nas mãos,
porque o trabalho traz independência,
aniquila a submissão.


Tiveram como legado
a biografia desflorestada dos desejos,
a repressão da sensualidade,
a ancoragem no medo.
A tempestade era o único beijo que conheciam
porque os homens
lhe canonizaram o Inverno na alma.
Mas uma ilha sensível sabe esperar,
avança lentamente por entre os espartilhos da liberdade.
Um dia cansadas juntaram-se,
floriu um arquipélago.
De arco-íris em punho,
assoaram a delicadeza ao sangue
e rumaram ao proibido.
Com o fôlego exausto de cativeiro,
incendiaram a voz
porque o tempo sempre foram homens embarcados no céu.
Romperam o exílio do próprio brilho,
afogaram o preconceito
e de têmpera a têmpera açaimaram as nuvens
porque não queriam mais ouvir a neve ladrar.

Hoje, gritam ao abismo imposto,
arregalam os olhos à sombra
e a claridade que sempre tiveram nas cabeças
começa a alumiar o mesmo diâmetro que o sexo oposto.

Mas não se iludam,
o velho continente ainda usa máscara.

Alberto Pereira

4 comentários:

Anibal Pereira disse...

Meu caro amigo,

Antes de mais, os meus parabéns por este belíssimo poema MULHERES ALGEMADAS que - maravilhoso tempo este - já tenho aqui guardado no meu IPOD. Apesar da minha idade, ainda sou capaz de me comover com as palavras de espanto e de esperança com que se refere à mulher de hoje.
"Hoje, gritam ao abismo imposto,
arregalam os olhos à sombra
e a claridade que sempre tiveram nas cabeças
começa a alumiar o mesmo diâmetro que o sexo oposto.
Lamento não ter podido corresponder ao seu convite para estar presente na sessão de há dias em que o meu amigo também era um dos premiados. Foi-me de todo impossível. Espero que tudo tenha decorrido a se gosto.
Mais ums vez: os meus parabéns e um grande abraço
Anibal Pereira

Via e-mail

Eliane disse...

Oi Alberto, li no seu Multiply....lindo e amargo poema sobre as mulheres, tem a sua marca característica.
Obrigada por lembrar-se de enviá-lo a mim, espero que tudo esteja bem com você.
Um beijo meu grande poeta e amigo do outro lado do mar.
Eliane

Via multiply

Carmen Ezequiel disse...

Olá, Alberto

agradeço-lhe pelo lindíssimo poema de homenagem às mulheres.
Nenhuma mulher acredita que somente neste dia o seu corpo pode ser feliz.
Nesta data celebramos, nos restantes dias do ano doamo-nos aos outros... essa continua a ser a nossa missão na terra.

Carmen Ezequiel

Ana Oliveira disse...

MUITO BOM !!!!!

OBRIGADO POR NÓS TODAS !!!!


Por e-mail